Meu
caro escritor, jornalista, poeta e ativista Valdeck! Bem que eu poderia começar
esta carta falando de tuas louváveis qualidades literárias, mas vou me segurar
um pouco. Não quero que a crítica se refira a mim como um de teus amigos
íntimos e, por ventura, desqualifique estes meus breves raciocínios. Se bem da
verdade, eu não me importo muito com palavras alheias que por sua vez podem
desqualificar uma inclinação para a produção literária que julgo ter quando o
ponto de minha observação se localiza nesse nosso imenso estado baiano.
Confesso. Sou um apreciador dos escritores baianos. Mas isso não torna minhas
observações tão sem crédito assim. Por ventura nossa crítica contemporânea não
carrega uma carga de inclinação subjetiva e partidária, às vezes até emotiva?
Pois bem. Deixemos de lado o que
podem dizer e nos apeguemos ao que deve ser dito. E o que deve ser dito? Quais
as palavras mais acertadas para falar de um escritor que não para sequer um
minuto para dizer: pronto, vou descansar um pouco. Vou tirar férias da
literatura. (risos).
Obviamente este não é o teu caso.
Você é uma das pessoas mais ativas que conheço, isso para ficarmos apenas no
campo da literatura (risos).
Você é uma interrogação muito boa de
ser descoberta. Quando pensamos que não resta mais nada para fazer vem você e
nos mostra que inúmeras são as possibilidades. Estou falando isso pelo fato de
recentemente eu ter descoberto algo que tu fazes e que julgo importante para a
nossa literatura brasileira, de uma forma geral. Refiro-me a tua produção de
literatura de cordel. Esta é uma das mais relevantes literaturas das quais
temos conhecimento.
Faz alguns anos que estudo
literatura de cordel e minha monografia apresentada na Universidade do Estado
da Bahia (UNEB) foi exatamente sobre esta literatura e teve o seguinte título
“Literatura popular: da historiografia literária ao ensino em escolas da roça”
(2011) monografia que foi o resultado de uma pesquisa de mais de um ano
vinculada a FAPESB e ao núcleo de bolsas de iniciação científica da UNEB.
Recentemente produzi outra pesquisa ainda mais intensa que resultou num livro
chamado “Literatura de cordel: uma questão da historiografia literária
brasileira”.
Agora você deve estar entendendo
melhor o que falei no primeiro parágrafo deste texto quando me referi a minhas
prováveis inclinações para analisar certos aspectos literários. É que me
considero um amante da literatura de cordel, e vem você e joga três de suas
obras de cordel nas minhas mãos. (risos).
O que devo fazer ao considerar-me um
amante e pesquisador desta literatura tendo em mãos obras tão bem escritas de
um escritor baiano?
Recebi pelos correios o teu envelope
e confesso que o abri com muita pressa. Nele haviam três cordéis: “Picão
encantado” que eu bem poderia classificá-lo como gracejo se eu fosse designado
a encará-lo de acordo com uma classificação temática, o segundo
“Mulher-Ketchup” tematicamente mais voltado para o jornalismo e o terceiro
cordel “Jorge Amado (1912 – 2012) cem anos do nascimento” que é um cordel de
celebração em homenagem ao centenário deste nosso escritor tão bem conhecido
mundialmente e tão bem valorizado sobretudo por nós baianos e brasileiros.
São três cordéis, a meu ver, muito bem escritos e podem ser incluídos
entre os melhores que li neste primeiro semestre de 2012, e olhe que não leio
pouco.
No cordel “Picão encantado” você
começa por um ponto muito relevante que é a mistura de suspense e mistério que
faz referência ao órgão sexual masculino:
Vou contar a
história
De um grande
personagem
Que vive todo
encolhido
Com medo de sua
imagem
Ser espalhada
nas ruas
Desta e de
outras paragens (p.01).
Estas colocações causam certo
impacto no leitor e acaba por prendê-lo na escrita já provocando os primeiros
impulsos de comicidade. É uma ótima introdução para cordéis que buscam explorar
esta característica.
No outro cordel “Mulher-ketchup”
você explora um acontecimento muito retratado nos jornais regionais e nacional
referente à cidade de Pindobaçu, interior baiano. Os seguintes versos me
chamaram a atenção:
Tudo foi para o
jornal
Onde tudo foi
parar
O que era um
segredo
Divulgado agora
está
E o crime
encomendado
Virou piada de
matar (p.01).
Você faz uma boa junção entre
jornalismo e gracejo e a meu ver o tom jornalístico prevalece em relação ao
gracejo, embora o caso que é verídico já seja um gracejo por si próprio.
No outro cordel “Jorge Amado (1912 –
2012) cem anos do nascimento” que no meu ponto de vista é o mais bem escrito
você faz uma homenagem muito rica ao grande Jorge Amado. É ideal para aqueles
que buscam conhecer este escritor, pois você com muito critério aborda diversos
elementos da vida e da obra do referido escritor:
Muito amado o
nosso Jorge
Por baianos e
estrangeiros
Escritor e
jornalista
O maior e o
primeiro
Natural de
Itabuna
Este grande
brasileiro (p.01).
(...)
Fez carreira na
política
Foi deputado
federal
Mas o brilho da
criatura
Foi além do que
é normal
Pois os livros o
levaram
A brilhar mais
que o astral (p.03).
Todos os folhetos foram escritos em
forma de sextilhas seguindo o esquema de rimas A B C B D B em que versos livres
e rimas se entrecruzam. Esta é a construção mais explorada por escritores
cordelistas atuais.
Espero conhecer mais sobre tua obra
e agradeço muito pela cordialidade de ter me enviado teus cordéis. Teu primeiro
livro “Memorial do inferno: a saga da família Almeida no jardim do Éden” que
também tive o prazer de ler é recomendável para aqueles que precisam conhecer a
trajetória de alguém que com muito esforço conseguiu vencer as adversidades e
conquistar inúmeras coisas.
Se de mim
precisares da algo ficarei agradecido em te servir
Jacobina, 27 de
junho de 2012
Atenciosamente
Leon Cardoso da
Silva
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