Estava eu aqui a me abanar como os
diabos, com um calor que não faz inveja a nenhum deserto estrangeiro ou
africano, como bem se queira dizer, acrescente-se a isso um tédio daqueles que
afetam tão acuradamente os pobres espíritos cansados das mesmices insuportáveis
quando alguém me bate a porta. Muito relutantemente resolvo abri-la, para meu
bem, e vejo uma pessoa bastante conhecida (meu pai) que me coloca na mão dois
pacotes de um papel branco com dois grandes carimbos que logo percebi se tratar
de uma encomenda postal.
Ainda me abanando como os diabos, digo
isso porque na Bahia, meu estado por natureza, agora em 2012 estamos vivendo a
pior seca dos últimos 30 anos. E pasme, meu caro poeta, não vivo no sertão e
aqui chove um bocado às vezes uma chuva tão pingada que a terra se afunda nos
pontos mais ressecados. Sempre uma chuvinha que vem como quem não quer nada,
como quem não quer molhar, mas molha de tempos em tempos. Ah! Como eu queria
que estas chuvas esparsas molhassem a sequidão do coração de tantos
desafortunados que vejo ininterruptamente diariamente ao meu redor perambulando
nesta vida sem saber realmente para onde vão.
Mas tudo bem, como que eu estava a dizer,
recebi o envelope nas mãos e não tentando controlar minha sanha curiosa como a
peste resolvo, sem demora, ler as palavras escritas nos dois envelopes que
recebi. Neles estava escrito o seguinte: ao poeta Leon Cardoso. No verso, em
forma de carimbo estava o nome do remetente: Anderson Braga Horta. Num primeiro
momento fiquei lisonjeado de alguém estar a me chamar de poeta, pois isso é uma
das designações mais superiores que alguém possa fazer referência a outrem. Ser
poeta, para mim é uma tarefa tão sublime, tão significativa e tão superior que
se bem da verdade não sei se mereço tão superior designação, embora eu faça
meus versinhos despretensiosos e ache a melhor das honras ser definido como
tal.
Logo
quando vi o nome do remetente minha sanha curiosa se intensificou de tal forma
que até agora tenho dó dos envelopes me posto às mãos (risos). É que lhe tenho
poeta (Anderson Braga Horta) como um dos maiores poetas da atualidade, um dos
maiores escritores e, agora, uma das pessoas mais generosas a bem falar de sua
iniciativa em saciar com seus versos a fome poética de um leitor tão longe
geograficamente.
Nos volumes entregues pelos correios
estava duas obras que até agora eu só tive o prazer de vê-los pela internet,
quer dizer, não o conteúdo dos livros, mas tão-somente suas capas muito bem
feitas por sinal. Os livros são “Soneto Antigo” e “Signo” como tu bem sabes
poeta. Para não dizer que não conheço nada destas obras vale dizer que nelas há
alguns poemas que tu divulgaste na internet. E devo dizer que os li com muito
prazer. Ainda bem que existe a internet para conhecermos poetas como você.
Entretanto, embora eu tenha lido alguns
poemas destes respectivos volumes pela internet, devo advertir que nada substitui
pegarmos o livro impresso nas mãos, folheá-lo, sentir sua densidade da mesma
forma que sentimos a viração amena num dia quente, como é o meu caso neste dia
de hoje. Teus livros apareceram para mim como estas virações agradáveis para
refrescar minha alma e acalmar o meu tédio.
Por isso quero muito agradecer tua
iniciativa de enviar-me estes dois volumes sem cobrar-me nada por tão generosa
iniciativa. Para falar a verdade, tua iniciativa tão cordial se de mim fosse
cobrado algo por ela eu, certamente, não teria um valor para ti reembolsar não
pelo custo de teus livros, mas de tua cordialidade tão necessárias para nossos
tempos carecidos destes valores. Por isso, quero te dizer que teus livros não
ficarão jogados na minha pequena biblioteca, perdidos em meio a outros que
tenho, mas serão lidos, possivelmente relidos e passados para outros de meu
círculo de amizade lê-los. Procurarei a melhor interpretação, a melhor
inclinação intelectual, um melhor ângulo e, igualmente, um melhor juízo para
interpreta a tua obra.
Nesse sentido devo dizer que como poeta
não poderia deixar de te remeter, nesta carta, alguns de meus poemas certamente
mais significativos para o autor, se os leitores se sentirem tocados por eles a
poesia estará, por sua vez, cumprindo o seu papel ao poeta não mais que o seu
dever. Assim, vou te deixar uns versos que saíram de minha lavra após eu ler
alguns de teus poemas. Eu tenho o costume de ler os grandes poetas e aprender
algo com eles e, de você e de Quintana, aprendi que o poema verdadeiro é aquele
que “dá a impressão de estar lendo a gente e não a gente lendo ele”.
Quando nasci
Quando
nasci um anjo amigo
disse-me:
vai ser sem se preocupar com o haver.
Eu
não entendia o mundo e fiquei com isso
martelando
na minha mente
por
mais de vinte anos
e
só agora compreendi que entre o ser e o haver
há
um permanecer cercado de finitudes
embora
o anjo não tenha falado, tão precipitadamente,
em
quimeras existenciais.
Loucura
Súbito
este olhar
no meio de luzes
olhar.
Súbito
este rio
tão loucamente
achando que é mar.
Súbito este encanto
no meio de encantos
se achar.
Súbita esta queixa
no meio de queixas
não se queixar.
Balanço
das horas
Todos os seres dependem das horas,
pois são elas que ditam nossos passos
dependentes das horas
os seres vivem nos seus embaraços.
Há horas tristes, alegres
horas de acordar e viver
igualmente horas desprevenidas
horas também de morrer.
Os seres são escravos do tempo
e vivem assim na medida
tentando aprisioná-lo num invento.
Um vai bem alegre, outro entristecido
mistura-se numa queixa perdida
esperando envolver-se no indefinido.
Rotação
Rola
esfera
assim
como fera,
pois
nessa quimera
o
homem vive e erra.
Rota
espera
nessa
quimera
roda
a terra,
pois
o homem
é
a junção
da
razão
com
o coração.
Teu coração
Teu
coração
pudera
sem
pretensão
ser
maior que o mundo.
Teu
coração
pudera
ser
ainda mais fundo.
Teu
coração
esta
quimera,
entretanto,
não
pudera
dizer
ao
mundo
que
de sua morada
os
pesares passam
com
ou sem aleivosia
no
fim de um dia
logicamente
quando
se
tem
poesia.
Se de mim precisares de algo ficarei
prazeroso em te servir, grande poeta.
Jacobina, terça-feira 24
de abril de 2012
Atenciosamente: Leon Cardoso
da Silva
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