PREFÁCIO
Há poucos dias chegou às minhas mãos este livro do poeta Leon Cardoso da Silva que é um jovem poeta baiano. Confesso que li os seus “Poemas ásperos” esperando uma produção aos moldes de João Cabral no sentido em que o título sugere, mas para minha surpresa estas asperezas são carregadas de pitadas de introspecção-filosófica misturada a uma intensa penetração metapoética, além de ser carregada de certo objetivísmo, ainda que este último seja em menor grau. Eu até que poderia dizer que há poemas bastante inspirados para distingui-lo do projeto poético de Cabral como fiz menção, anteriormente.
É uma produção que tem seu quê de originalidade vanguardista aliada a fortes tendências da produção literária histórico-nacional. Possivelmente este livro seja o que representa o maior grau de maturidade do poeta que, por sua vez, não pode ser mais encarado como um estreante na produção literária brasileira a bem falar de seus outros livros igualmente bem escritos “A inquietude de ser”, “Barco a vela”, “À procura da poesia”, “Chuva de pedra”, todos de poemas. Todavia, talvez seja no romance “O solitário Mário” que o autor se realiza mais plenamente escrevendo seu nome entre bons prosadores desta geração.
De qualquer forma, os “Poemas ásperos” parecem falar por si próprios, uma vez que seus poemas bastante sugestivos e audaciosos representam, indubitavelmente, o sujeito fragmentado em uma sociedade, também, fragmentada. Os poemas parecem recortes intencionais, ora representando este sujeito diante dos problemas do mundo, ora diante de si próprio como que se estivesse diante do espelho e visse o outro.
É por essas e outras que digo que o poeta, jovem poeta baiano está entre os poetas mais expressivos e atuais de nossa contemporaneidade. Tem o mérito de mesclar tendências literárias do passado e do presente para construir uma poética singular, expressiva e inquietante.
Marcos A. de Miranda
ALGUNS POEMAS DO LIVRO
QUERO UM POEMA
Quero um poema áspero
Que de toda natureza
Se desates
E em toda a sua extensão
Nas insutilezas
Leia-me a alma.
Quero o poema áspero
Nascido da aspereza
De naturezas castas.
Poema que deixe gosto
Que a cor desgasta
Onde o amor sentido
Com a razão se contrasta.
Poema como pedra,
Como chão seco e frio.
Poema como desertos
Que não conhece rio,
Mas que de tudo fale
E que diante das asperezas da alma
Não se cale.
INDELICADEZAS
Carne, sol, indelicadezas.
Fumaça de cigarros
Sopros de asperezas.
É por estas coisas
Que no século XXI
Os versos se petrificam
Embora a poesia
Continue sua realização mais pura
Nos sopros tênues,
Nas divagações
Não arrefecidas.
AUTO-EXPLICAÇÃO
Tento me explicar,
Mas tudo é em vão.
Este enjoo que tento disfarçar
E que quer me tornar mais fraco
Diante do espelho
Parece querer dizer que sou
Impuro ar comprimido,
Alucinações tortuosas
Cambaleio desafortunado da quimera.
Tento me explicar,
Mas no fim de tudo
Percebo que tudo
É em vão,
Mas não por falta de estudo
E sim porque dentro de minha explicação
No seu lugar mais fundo
Habita um deus inexplicável
e mudo.
DESENCONTROS
Desencontros! Sim!
É exatamente isso.
Minha vida e feita de desencontros
Silêncios nas horas incertas
Estrondos nas horas certas
Amores com todas as suas faltas de cores.
Desencontros! Marchas cansativas
Entre o desejo e a inoperância,
Entre a combatividade e a ignorância,
Entre o pós e o antes,
O a favor e o contra.
Desencontros entre dois seres,
Dois mundos,
Duas palavras antonimamente gêmeas:
O amor e a dor.
DESASSOSSEGO
O ar da noite não entra mais em meus pulmões.
A pulsação mais forte não passa
De milésimos de segundos
E meu coração parece andar de muletas.
Flácidos em suas entranhas
Parece que meus pensamentos
Cometeram crimes inafiançáveis,
Assassinatos cruentos
E se esqueceram de enterrar-me
No lugar mais fundo
Onde minha decisão não pudesse mais alcançar.
E por isso abro um jornal
E sequer há matéria que fale de meu mal,
De meu terrível padecimento.
Será que o mundo esqueceu
Que é preciso contar as tormentas,
Desvendar os males
Loucos,
Fúlgidos,
Terríveis,
Fugazes,
Presumíveis?
QUE A MÃO DESLIZE
Que a mão deslize
E vá construindo imagens obscuras,
Palavras intraduzíveis,
Pensamentos tresloucados.
Que a mão deslize
E sue frio,
E molhe o papel,
E rasgue as tormentas.
Que a mão deslize
E forme estrofes,
E descubra-se em movimentos,
E alce voos nunca antes alcançados.
Que a mão deslize
Sem muitos cuidados,
Sem muitas aleivosias,
Sem precipitações pensadas.
Que a mão deslize
Construindo juízos,
Arrebentando grades
Apagando a luz da lua cheia de vícios.
Que a mão deslize
E desenhe uniformes palavras
Que fale de homens e de coisas
Com todas as suas trepidações
Incessantes prolongamentos,
Mudas canções.