(Autor: Leon Cardoso da Silva)
O
MUNDO
Sempre em transformação
O mundo.
Sempre plural
Com todas as divergências
Inevitáveis.
Sempre acolhedor?
Nem tanto.
O mundo é sempre uma selva
A descobrir-se.
POEMA
GINASIAL
Eu era tão pequenino
Quando comecei a estudar:
“Quem descobriu o Brasil: – Pedro
Álvares Cabral”.
“Cinco vezes dois: – Dez”.
“Qual a capital do Brasil: –
Brasília”.
E eu me perguntava:
Quem vai me ensinar a ser gente?
MARTE
Dizem
que é preciso construir uma torre
Tão
grande que chegue a Marte.
Dizem
que é preciso construir nesta torre
Um
elevador que alcance a velocidade da luz.
Dizem
que é preciso fugirmos para outro lugar
Por
que a terra está condenada.
Os
homens, estes desafortunados da prepotência
Estão
afogados nos seus próprios erros
E
também querem afogar o universo.
Foge
Marte para bem longe.
LINGUAGEM
Nem
é preciso falar
Para
dizer tudo.
Para
isso basta o gesto
Que
dialoga em silêncio.
Mário!
Seja esperto.
Quando
há silêncio de palavras
Assim
mesmo pode haver
Grande
barulho na alma.
FERTILIZAÇÕES
O fogo fertiliza as imaginações
E a água fertiliza o solo.
As queixas fertilizam as
desordens
E as crenças fertilizam
A espera.
A filosofia fertiliza as
indagações
E a poesia
Esta deusa insondável da
plenitude
Deveria fertilizar a calma.
A
VELOCIDADE DO TEMPO
Rápido que o tempo está passando
E a hora é certa.
Não dá mais tempo
De ficar esperando
O tempo passar lento.
Vamos rápido
Que o tempo
Está correndo,
Correndo muito mais rápido
Que outrora.
Vamos apressadamente
Para não nos atrasarmos
Para o fim das coisas.
Rápido!
Rápido!
Rápido!
Vamos apressadamente,
Pois não há antes
Nem pós
Só o tempo
Veloz.
DEFINIÇÃO
DE POESIA
Poesia é deusa uniforme
Que embriaga os seres.
É lâmpada translúcida e
compreendida
Que ilumina a noite.
Poesia é um porto com barcos.
É palavra carregada ou não de
protestos.
É linguagem verbal e não-verbal.
Poesia é barco que ficou à
deriva,
Pois perdeu de propósito o leme.
O
PIRILAMPO E O SAPO-BOI
O pirilampo
Riu do sapo-boi
Porque este não tinha
Asas e bicos.
O sapo-boi
Riu do pirilampo
Porque este
Encadeava-se
Com sua própria luz.
E quando o pirilampo
Fez um gracejo
Envolvendo a língua
Do sapo-boi
Este acabou com a zombaria,
Pois num piscar de olhos,
Dramaticamente,
Engoliu o pirilampo.
VANGUARDA
Vanguarda,
Vanguarda,
Vanguarde
A guarda
Que este poema
Não se consagra,
Mas de repente
Pode tornar-se
Pós-moderno.
Vanguarda,
Vanguarda,
Vanguarde
A guarda
De quem faz versos
Com lirismos
Nem sempre comedidos
Em pleno século XXI.
ESCADA
ROLANTE
A escada rolante
No seu sobe e desce
Anda mais que o viajante
Que usa suas pernas
Ao invés de seus pensamentos.
REFÉNS
Reféns da espera
Agoniamo-nos
À mercê
Da próxima
Promessa.
TU
NÃO SABIAS?
Pronto, vamos morrer.
Tu não sabias?
Tu não sabias que chegará uma
hora
Em que esta carne e este
esqueleto
Que te mantém em pé
Extinguir-se-ão?
Tu não sabias?
Tu não sabias que os pensamentos,
Estes materialistas disfarçados
Em essência pura, tênue e sombria
Cessarão de repente?
Tu não sabias?
Tu não sabias que fomos feitos
Para lembrarmos e enterrarmos os
mortos?
Para velarmos suas
desconformidades?
Tu não sabias de nada disso?
Pois então te digo.
Antes saber de tudo isso agora
Do que na exata hora da morte.
COM
A MORTE
Com a morte? Não, nem com a morte. Quem
vive
como eu não morre: acaba, murcha,
desvegeta-se.
(Fernando Pessoa em Livro do desassossego)
Com a morte?
Ah, com a morte fica-se
Como um não ser visto,
A casa fica-se como onde não mais
se avista
O ser morto,
As roupas ficam-se
indisfarçadamente
Sem ele estar ali.
Antes era o nada,
Em vida foi o tudo,
Depois da vida
Retornou-se ao nada.
Tudo é uma questão de negação,
Um desequilíbrio premeditado
Em face da tragédia louca e
certa.
Com a morte?
Ah, com a morte celebramos o
casamento
Da noite com o Caos.
O
AMOR
O amor não morre,
Desmaia,
Entra em coma.
O amor não passa,
Esconde-se,
Precipita-se,
Se esquiva.
O amor não nasce,
Descobre-se.
Em estado de amor
O ser não se constrói,
Não se cria,
Apenas vive a regá-lo
Numa constância
De ação
E de precipitação.
ÁGUA
Água palavra
Palavra dura
Água escura
Escura e impura,
Água que martela
Martela a espessura
Da palavra água
Na matéria dura.