segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

EDUCAÇÃO OU ESCOLARIZAÇÃO?



Autor: Leon Cardoso da Silva

(Capítulo de um livro em construção)

   É bastante comum confundir-se estes dois termos. Educação é o ato de educar ou de educar-se, neste caso, presumindo-se a ideia de que é este um ato em que não se faz obrigatória a presença de outra pessoa, mesmo que o outro indivíduo possua um conjunto maior de informações ou conhecimentos. Neste sentido, educação pode ocorrer tanto na escola, quanto no contexto familiar e individual de cada pessoa. Escolarização é o processo de aplicação de um currículo cujo objetivo é fazer com que os estudantes absorvam determinados conteúdos ou “cânones” que por ventura possam auxiliá-los no processo de auto-afirmação no mundo e reconhecido como membro de uma comunidade.
A busca pela definição do conceito de educação é bastante antiga. Ainda nos tempos dos filósofos Sócrates e Platão essa questão foi tão recorrente que se tornou método até mesmo da filosofia. Isto é, se analisarmos a conduta de Sócrates, por exemplo, perceberemos que a busca pela instrução, pelo diálogo e pela construção do conhecimento era o ponto de partida de sua filosofia - ou de seu método filosófico. Como não havia escolas, o que se conhecia por educação envolvia uma variedade de conceitos pertencentes ao cotidiano de praticamente todas as pessoas. Neste sentido, o método socrático consistia em fazer com que a pessoa refletisse consigo mesma, pois, nesta perspectiva, o verdadeiro conhecimento vem de dentro para fora, quer dizer, a própria pessoa pode suprir em si a necessidade de educar-se, sem a presença do outro.
Isso é bastante simples de ser entendido. Em um tempo onde não existiam escolas, como conhecemos, as pessoas eram responsáveis tanto pelas suas próprias instruções, quanto pelas instruções de seus dependentes. Assim, surgiram os “preceptores”: pessoas (ou professores) cujo objetivo era instruir outras pessoas, geralmente os filhos dos mais ricos, pois podiam pagar pelos serviços do preceptor.
Podemos dizer que a primeira escola surgiu quando Platão, por volta de 378 a. C., fundou um grupo de estudos[1], principalmente, sobre filosofia e matemática. Os encontros ocorriam num jardim chamado Academo, na cidade grega de Atenas - por isso o nome “academia”. Se hoje fossemos classificar um destes encontros de Platão, classificaríamos tão simplesmente como algo análogo a uma “aula de campo”.
Isso tudo fica ainda mais claro quando lembramo-nos do fato de que Platão foi um dos discípulos de Sócrates. Quer dizer que a estrutura de sua academia tinha uma base centrada na reflexão e no diálogo, tão elucidados por seu mestre. Portanto, os encontros da academia baseavam-se em debates, questionamentos e discursos.
A partir desta observação, podemos entender que a ideia de educação parecia ser, para Sócrates e Platão, não uma imposição exterior, isto é, externa e independente do ser, mas uma condução para esse esclarecimento na exata medida em que educar não consiste em imprimir ideias externas na mente do outro. A verdadeira educação, pois, nada mais é que dar meios ao outro para que este, numa perspectiva real, chegue, por fim, a verdadeira ideia desse real. Nesse sentido, podemos dizer que educar não é o que vulgarmente se pensa, como diria Platão. Para ele não é “introduzir ciência numa alma” como “se introduzisse a vista em olhos cegos”.
Com o passar do tempo, surgiram escolas como conhecemos atualmente, com currículos, estudantes e professores em sala de aula. Isso ocorreu a partir do século XII na Europa. Antes disso, encontros que ocorriam, com estes objetivos, eram realizados em locais abertos. 
            Com o surgimento de “escolas”, surge, também, o conceito de “escolarização”. Haveria, portanto, uma delimitação entre estes termos que, visto em conjunto, parece unificar suas singularidades e aproximações. Acontece que por escolarização entendemos ser o conjunto de estratégias e conteúdos bastante diversificados utilizados pelas escolas com o objetivo de formar o indivíduo para o convivo social ou em grupo. No processo de escolarização as pessoas podem adquirir conhecimentos, conhecimentos estes que em conjunto podem auxiliá-las na vida prática e social.
            A exemplo disso, podemos observar que no processo escolar – portanto, no processo de escolarização – conteúdos intelectuais e habilidades são passadas para as crianças, jovens e adultos sempre com o objetivo desenvolver o raciocínio, além de provocar a reflexão sobre diferentes problemas, auxiliar no desenvolvimento intelectual e contribuir decisivamente para a formação de pessoas conscientes de seu papel social com capacidades de gerar transformações positivas na sociedade.
            Em nossa contemporaneidade, parece haver uma ressignificação do que se entendia por “educação”. Entretanto, esta ressignificação não rompe com o conceito comum ao afirmar que a educação não é simplesmente o conjunto de saberes, mas de saberes para a vida moral e íntima, não somente para a vida coletiva e externa. De um lado, a educação visa inserir o homem na sociedade marcada pela necessidade de valores significativos. Por outro lado, a escolarização o qualifica, na medida em que o ensina a dominar certos conteúdos intelectuais para viver e interferir na sociedade.
            O que dizer, por exemplo, de uma pessoa que nunca frequentou escola? Diríamos se tratar de uma pessoa sem educação, sem instrução, sem as duas coisas ou com as duas coisas?               
Na verdade, educação independe de um ambiente escolar. Assim, a pessoa pode ser muito educada sem ter frequentado escola. Tem-se um ambiente educacional, por exemplo, em grupos de convivência promovidos por ONGs ou programas sócio-assistenciais, em escolinhas de esportes como futebol, natação e outros. Mas, é no seio familiar que esta educação tem sua principal razão de ser[2].
            Parece correto, portanto, afirmarmos que a educação precede a escolarização e esta última é uma complementação, mas não uma substituição da primeira. Entretanto, para que haja uma boa escolarização é necessário ter havido antes uma boa educação. Se analisarmos a sociedade atual, não será difícil percebermos que diversas são as pessoas colocadas à margem da sociedade. São resultados de um processo histórico marcado[3] pelo fracasso tanto no processo de educação, quanto no de escolarização.


[1] É registrado que Aristóteles era um dos maiores frequentadores deste grupo de estudos, sendo também o aluno mais promissor de Platão.
[2] Esta observação será retomada no próximo tópico.
[3] Marcado pela educação e escolarização, não que estas duas sejam as únicas causas dessa marginalização.

Nenhum comentário: